Lembranças

Autor: Clodoval de Barros Pereira

Ao cair da tarde,
era sempre ao cair da tarde,
que encerrávamos os trabalhos,
os pesados trabalhos do canavial.

Tempo de plantio,
de roço, encoivaração
e de queima de coivaras.

O arado abrindo os sulcos,
os rebolos penetrando a terra,
as gemas eclodindo,
a cana nascendo.

Ainda me lembro…

Na volta para casa,
eu e meu pai
esporeando os cavalos
pra chegar com o dia claro.

Seu Correia e Figueiredo,
os nossos imediatos,
juntavam-se aos trabalhadores
no trator ou caminhão.

Tinha Cícero Manga Rosa,
Manoel Paulista, seu Tino;
Zé Pequeno e Luiz Sebastião.

Tantos outros, tantos outros,
inclusive meus irmãos.
Era um trabalho pesado,
um salário miserável,
era uma judiação…

Os burros com suas cangalhas,
o carreiro, os bois com arado,
o trator, o caminhão.

Pra limpar o corpo sujo
e reativar energia,
uma lapada de cana
e um mergulho no riacho
que pelo vale corria.

E bem na beira da encosta
onde a água corria
fincaram a casa de taipa
que de teto nos servia.

Era nela que à noite,
ao redor de uma mesa tosca,
como se fosse uma oração
que eu maldizia a ditadura,
o capitalismo e a exploração.

E dizia que Deus fez a terra para todos
mas os sabidos tomaram conta dela,
como disse Julião,
inclusive eu e meu pai,
meus parentes, meus irmãos.

Unidos poderíamos dividi-la,
não só a nossa como também a dos outros.

E lhes falava da Reforma Agrária,
da fartura que ela trazia
e pedia que lutassem
que um dia ela viria.

“Água mole em pedra dura,
bate, bate até que fura”,
isso muito eu lhes dizia.

Enquanto isso a fumaça
do candeeiro de lata
com sua luz amarela
no esteio bruxuleava.

Sua chama de tão tênue
muito mal alumiava
os enfadados ouvintes.

E na penumbra eu maldizia
Que sempre achei que um dia
a ditadura caia.

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